Muitos dos pedidos em terapia de casal, mesmo que não sejam revelados desta forma no início da terapia, estão relacionados com dificuldades na intimidade, sendo a perda ou diminuição do desejo de um dos parceiros uma das queixas mais frequentes.
Existe a crença social que a paixão inicial não se prolonga ao longo do tempo: “antes fazíamos amor todos os dias e o desejo era recíproco. Mas claro, tudo isso diminui quando acordamos a falar sobre o que fazer para o jantar.”
E será, de facto, necessariamente assim? A estabilidade na relação inibe o desejo?
Muitos terapeutas, perante este tipo de queixas, incita os casais a passarem mais tempo juntos, a ter tempo de qualidade só do casal. Se é verdade que a vida quotidiana retira, muitas vezes, disponibilidade para passar tempo a sós com o outro, também é verdade que essa dificuldade também existia, na maior parte das vezes, no início do relacionamento. Então o que mudou? Será esta estratégia terapêutica realmente adequada?
A especialista Esther Perel fala-nos de duas necessidades básicas no ser humano, e do aparente confronto entre elas: a necessidade de segurança, estabilidade, confiança no outro e a necessidade de novidade, mudança, mistério.
A estabilidade decorre do facto de eu conhecer o outro: como reage perante as situações, quais os seus valores fundamentais, do que gosta, quais os seus limites, que projectos tem. Isto permite-me inferir sobre a forma como vai reagir no futuro, e permite-me confiar e sentir-me seguro. O desejo de novidade tem que ver com uma necessidade intrínseca (e não apenas humana) de exploração, de curiosidade perante o mundo. No entanto, este desejo do desconhecido causa-nos ansiedade. Quem já observou um gato a explorar um objecto novo pode notar como os seus olhos brilham e como simultaneamente os seus movimentos denunciam o seu medo. Nas relações humanas, esta necessidade de exploração estará também relacionada com o desejo: apaixono-me pelo mistério que é o outro. Em resumo: precisamos de ter confiança e de diminuir a nossa ansiedade, mas também de mistério, que nos dá vida mas que aumenta a nossa ansiedade.
Nos tempos actuais, este confronto parece estar mais presente. Vivemos um clima de ansiedade geral: não sabemos se temos trabalho, se este se manterá, até quando nos manteremos no mesmo lugar, se temos de emigrar, se teremos dinheiro suficiente para pagar as contas. O mundo muda a mil à hora e perguntamo-nos se o conseguiremos acompanhar. E quem melhor do que o nosso companheiro para exercermos a nossa necessidade de controlo sobre o mundo? Esse que nós conhecemos tão bem, a quem reconhecemos o que quer só pelo olhar, que reage de forma tão previsível?
Existirá solução? Como manter o desejo numa relação segura?
Talvez a(s) solução(ões) passe por entendermos, em primeiro lugar, que as duas necessidades não são opostas, se expressas de uma forma flexível e essencialmente realista. É verdade que a confiança no outro é imprescindível para estabelecermos vínculos seguros e saudáveis, inclusivamente para podermos explorar a nossa sexualidade com confiança. Mas será realista assumir que conhecemos, de facto, o outro? Que sabemos o que pensa, o que sente, como sente, como irá reagir, anulando-lhe dessa forma a sua complexidade que tanto nos apaixona? Será realista assumirmos que já não há nada a descobrir, e por isso nada a conquistar? Desejar é querer para nós, ainda que saibamos que isso nunca irá acontecer na totalidade. Porque no fundo, bem lá no fundo, existe a certeza de que o outro nos escapa na sua liberdade, na sua individualidade. A certeza pela segurança não só é ilusória como pode matar a admiração, uma das grandes componentes da paixão e do desejo.
Não existirá uma solução, mas várias soluções diferentes para cada casal. Como terapeuta, tento fazer o contrário do que acontece com a maioria destes casais: mantenho-me curiosa e atenta a quem está à minha frente, tentando nunca perder a capacidade de me surpreender com as pessoas. Emociono-me (de verdade!) com cada nova descoberta, com cada mudança adquirida. E isso não me impede (antes pelo contrário) de estabelecer uma relação de grande confiança com quem comigo se cruza no consultório. Isso fá-los acreditar na verdade: que vale a pena descobri-los.
E como terapeuta, desafio cada elemento dos casais a quem a rotina parece ter feito perder o desejo: a flexibilizar um pouco os seus limites de segurança e a arriscar-se a olhar para o outro como único e fascinante.